O uso inadequado dos verbos modais na fraseologia de tráfego aéreo tem provocado
inúmeros acidentes ocasionando grandes transtornos ao serviço de tráfego aéreo,
colocando aeronaves em risco de colisão e, às vezes causando até mesmo acidentes aéreos.
O presente artigo resulta de uma experiência de quase vinte anos como
professor de fraseologia de tráfego aéreo, controlador de tráfego aéreo e
piloto comercial.Os casos apresentados são todos verídicos coletados
através de relatos de controladores de vôo com experiência média de 20
anos.
Em visita aos órgãos de controle de Nova York, conversando com os controladores de vôo
da torre de controle do aeroporto J.F.Kennedy, como também do controle de aproximação e
centro de controle foi constatado que o assunto é mais comum do que se imagina.
Como professor no Instituto de Proteção ao Vôo tive a oportunidade de ministrar aulas de
fraseologia de tráfego aéreo para estrangeiros de vários países da América Latina.
Durante as aulas, principalmente para os controladores que realizavam curso de operação
radar, surgiram inúmeras dúvidas de como empregar os verbos modais na fraseologia.
MODAIS:
O estudo dos verbos modais é extenso e complexo.Há livros específicos que tratam
somente deste assunto.Em sua essência, os modais, são verbos auxiliares que modificam
outros verbos.Podem expressar: possibilidades, hipóteses, autorização, conselho,
proibição, sugestão, etc.
Embora nos manuais de tráfego aéreo não esteja previsto o uso dos MODAIS, nem sua
vedação, recomenda-se evitar sua utilização em face dos conflitos que podem daí advir.
OCORRÊNCIAS
Ao consultar o site de RUBENS P. A. encontramos um interessante incidente que envolve
o mau uso do MODAL.
“Durante um vôo nivelado no FL 230 um co-piloto, que estava pilotando no momento,
solicitou ao ATC autorização para subir para o Fl 310.O controlador respondeu ‘FL 310 is
the wrong altitude for your direction of flight; I can give you 290...’ O co-piloto
respondeu, ‘Roger, cleared to 290, leaving 230’.O controlador não contestou ocotejamento.Quando a aeronave atingiu 24000 pés, o controlador interrogou a altitude da
aeronave e disse: ‘I did not clear you to climb, descend immediately to Fl 230.You
have a traffic at eleven o’clock 15 or 30 miles’.O piloto tinha entendido, eu posso lhe dar
o Fl 290 como significando você esta autorizado as subir para o Fl 290’’.
ANÁLISE DOS EQUIVOCOS:
Ao receber a mensagem ‘’I can give you Fl 290...’’, o piloto entendeu que estava
autorizado a mudar de nível, pois o MODAL CAN, expressa também autorização.
Uma das primeiras perguntas que aprendemos em inglês é:
CAN I COME IN TEACHER?
YES, YOU CAN.
Na realidade o controlador não teve a intenção de emitir uma autorização, mas informar
que o FL 290 estava disponível, e que o piloto poderia ter mudado, desde que solicitasse.
O controlador poderia ter sido mais preciso se dissesse:
“ACCORDING TO YOUR DIRECTION, FL 310 IS INCORRECT; WE HAVE 290
AVAILABLE, ADVISE INTENTION ”.
Além do emprego ambíguo do “CAN ”, o fato de o controlador não contestar o
cotejamento concorreu para o incidente.COTEJAMENTO NÃO CONTESTADO É
ACEITO COMO CORRETO.
OCORRENCIA:
PILOTO: “CAN I DESCEND TO FL 220...”
CONTROLADOR: “YES YOU CAN…’’
Momentos depois o controlador foi surpreendido com a aeronave cruzando o Fl 230, em
risco de colisão com outra aeronave que mantinha o mesmo nível.
ANÁLISE DOS EQUIVOCOS:
Questionado, o controlador afirmou que ao dizer “YES YOU CAN ”, sua intenção foi
informar que o nível solicitado estava disponível e que a aeronave seria autorizada a mudar
de nível, mas não naquele momento.
O controlador de vôo poderia ser mais conciso dizendo:
“STAND BY FOR FURTHER CLEARENCES’’. Ao receber esta mensagem o piloto
deveria aguardar uma autorização para mudar de nível.
O piloto incorreu também em erro ao abandonar seu nível de vôo sem autorização para tal.
O piloto teria sido mais preciso se tivesse dito:
PILOTO: “ REQUEST DESCEND TO FL 220 ’’
CONTROLADOR : “NEGATIVE, FL 220 IS OCCUPIED”,
OCCORRENCIA:Um controlador, necessitando que a aeronave fizesse uma decolagem imediata transmitiu a
seguinte instrução:
“ YOU MUST TAKE OFF IMMEDIATELY ”
Não há necessidade alguma de inserir o modal “MUST” para enfatizar uma
instrução.Usando o imperativo já é o suficiente.
Um outro caso, mais impressionante ainda, apresentado por outro controlador na mesma
aula, ocorreu quando desejando fazer com que a aeronave mantivesse a posição disse:
“YOU MUSTN’T TAKE OFF”
Neste caso a instrução emitida não teve nada a ver com a idéia proposta.Pois é, o MUST na
negativa quer dizer PROIBIÇÃO.Isto mesmo, ao transmitir esta instrução. O controlador
proibiu a aeronave de decolar.
“VOCÊ ESTÁ PROIBIDA DE DECOLAR’’
Esta instrução causou um grande transtorno ao controlador de vôo, pois o piloto, que não
era brasileiro, quis saber, em inglês, porque estava proibido de decolar daquele
aeroporto.UFA!!!
Outro erro na transmissão desta instrução esta relacionado com a pronuncia, pois o
controlador ao emitir a mensagem pronunciou “MUST’NT”, sendo que a correta pronuncia
/musnt/. Ou seja, não se pronuncia o primeiro “T”.Pode representar em principio pouca
coisa, mas erro de pronuncia pode equivocar a compreensão.E acidentes, com vitimas
fatais, já aconteceram por conta disto.
Evita-se usar instruções negativas, o piloto pode entende-la positivamente, contrariando o
sentido da mensagem.Substitua por outras instruções tais como: “MAINTAIN
POSITION”, “CANCEL TAKE OFF”
MODAIS: SEU USO INCORRETO PODE MUDAR COMPLETAMENTE O
SERVIÇO PRESTADO.
Pode parecer estranho, mas já aconteceu de controladores de vôo mudarem completamente
o serviço prestado, sem dar conta disto, assumindo responsabilidades que não eram
devidas.
OCORRENCIA
Um controlador pretendendo prover uma separação segura entre duas aeronaves, disse a
uma delas:
“ YOU SHOULD DESCEND TO FL 230 ”
Após alguns minutos, a aeronave estava mantendo o nível de vôo inicial conflitando com
outra aeronave.UFA!Quase bateu, disse o controlador.
ANÁLISE DO EQUIVOCO:
A intenção do controlador de vôo era transmitir a seguinte idéia:
“VOCE DEVE DESCER PARA O NIVEL 230”.Para o controlador de vôo a aeronave
DEVERIA, isto é, TINHA O DEVER DE DESCER, pois estava em risco de colisão com
outra.
Ora, se quisesse transmitir esta mensagem bastaria ter dito:“DESCEND TO FL 230”
O “SHOULD”, em inglês tem outra conotação, é usado como conselho, como sugestão.Foi
exatamente isto que o piloto entendeu.Interpretou que não tinha a obrigação de descer,
entendeu que estava a seu critério descer ou não.Decidiu por manter-se nivelado.
Só que o serviço que estava sendo prestado era o de “CONTROLE”, e não o de
“INFORMAÇAO DE VOO”, ou o de “ASSESSORAMENTO”, em que o piloto poderá
receber sugestões e optar por elas.No serviço de “CONTROLE”, o piloto não tem escolha,
tem que obedecer ao que o controlador instrui.
Ao usar “SHOULD”, o controlador de vôo, desqualificou o serviço de “CONTROLE”,
para o de “ASSESSORAMENTO”.
Já numa outra ocorrência, o controlador de vôo que estava prestando o “SERVIÇO DE
ASSESSORAMENTO”, presenciou uma situação de iminente perigo e instruiu a
aeronave:
“ YOU MUST TURN RIGH IMMEDIATELY, HEADING 220”
O controlador não deveria ter emitido ordem alguma, pois não estava controlando.Mas o
controlador entendeu que a aeronave DEVERIA curvar imediatamente, caso contrario,
teria colidido.Mas ao ter emitido esta instrução, o controlador assumiu uma
responsabilidade que não lhe pertencia.Desqualificou o “SERVIÇO DE
ASSESSORAMENTO” para o de “SERVIÇO DE CONTROLE”
QUAL A FRASEOLOGIA ADEQUADA NESTE CASO?
A regulamentação patria instrui que em caso de “SERVIÇO DE ASSESSORAMENTO”,
o controlador de vôo deve usar as seguintes expressões:
“SUGERE” ou “ASSESSORA”
RESPONSABILIDADE PENAL DO CONTROLADOR DE VOO.
Um assunto que vem sendo discutido e estudado em nosso país, versa sobre a
responsabilidade penal do piloto ou do controlador de vôo, em caso de acidente ou, ate
mesmo, de incidente.Embora seja um assunto pouco discutido no Brasil, não e em muitos
paises.A finalidade de se apurar a responsabilidade penal, e que dela decorre a
responsabilidade civil, ou seja, a obrigação de se indenizar pelas perdas e danos.
Embora o assunto seja extenso e também complexo, podemos baseados nos casos já citados
ter uma leve noção da matéria.
No primeiro caso, comprovada a culpa do controlador de vôo pela falha na comunicação,
seria passivo de um processo criminal em que responderia por crime culposo, podendo ter
sua pena a agravada por inobservância de regras técnicas de profissão, não teve a intenção
de causar o acidente, mas deu causa a ele.Comprovada a culpa do controlador, a União, seria objetivamente responsabilizada pela
indenização por perda e danos.
Já no segundo caso, comprovada a culpa do piloto, em caso de acidente, este seria
responsabilizado penalmente, e a empresa seria responsabilizada por perdas e danos.
Este artigo teve a colaboração da Prof. MARINA RENATA MENEZES
DANIEL CELSO CALAZANS e Controlador de vôo em São Paulo, Piloto Comercial,
Bacharel em Direito, Pós-graduado em Direito Aeronáutico, Membro-Conselheiro da
APACTA-SP – Associação dos Profissionais de Controle de Trafego Aéreo de São Paulo, e
Membro da SBDA – Sociedade Brasileira de Direito Aeroespacial.
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